Já dei por mim em várias discussões em que, invariavelmente, alguém me diz que “Cada um acredita no que quer.” Imagino que, geralmente, eu encolhesse os ombros e seguisse em frente, ou então encolhesse os ombros na mesma mas tentasse continuar o debate. Até que, um dia, por inspiração divina – é o que eu quero acreditar –, eu percebi o problema desta filosofia.
Acreditarmos naquilo que queremos afasta-nos da realidade e aproxima-nos mais de nós mesmos e das ideias que já tínhamos, contribuindo para o nosso encapsulamento na nossa sala em que tudo o que ouvimos é o eco da nossa própria voz, seja saindo da nossa boca ou de alguém cujas ideias emulamos. Se, por um lado, percebo que há tantas realidades quanto observadores, e que as pessoas tendem a ver o que querem ver para acreditarem no que querem acreditar, quero afastar-me deste solipsismo e ver a realidade como algo objectivo, observável, pelo menos naquilo que concerne esta argumentação.
Eu não consigo acreditar no que quero, e a simples ideia de tentar fazê-lo causa-me repulsa, sendo que envolve a mais estranha e corrosiva desonestidade intelectual, aquela que usamos contra nós mesmos. Adorava acreditar num deus bondoso, que trouxesse um significado intrínseco à VIDA, adorava acreditar que todo o sofrimento que existe tem um sentido, e que as pessoas que o sofrem serão recompensadas, nesta VIDA, ou noutra. Adorava acreditar que quando eu morresse, esse deus aparecia para dizer “Olá” e ia apresentar-me uma possibilidade que o meu cérebro de mero humano não conseguira conceptualizar até então. Afinal, não teria de morrer para sempre, nem teria de viver para sempre! Imaginem, um terceiro destino!
Eu queria acreditar nisso, mas não consigo, porque não consigo enganar-me a esse ponto de inventar razões e desculpas só porque eu não consigo lidar com a injustiça das coisas.
Adorava acreditar que nunca vou ficar gravemente doente, que ninguém que eu conheço vai ficar gravemente doente, enfim, porquê ser modesto, sendo que é só querer acreditar, adorava acreditar que ninguém ia ficar doente.
Mas não consigo. Nem quero tentar.
Porque quero acreditar naquilo que me parece real, não naquilo que me faz sentir bem por uns momentos. E o estranho é que, se eu pudesse escolher entre ter essa dissonância cognitiva de convencer-me a acreditar em coisas sem sentido aparente, eu não ia querer isso, por melhor que me fizesse sentir.
Não sei por que prefiro isto. Não sei por que prefiro aquilo que vejo como a realidade, sem sentido aparente, cheia de defeitos, com um milhão de dúvidas acerca de tudo, em vez do conforto de uma crença qualquer que apanho num catálogo new-age. Por que é que sinto a necessidade de estar próximo da verdade, mesmo que seja verdade, apenas, que não sei nada, que não consigo retirar certezas do ar nem bem-estar de religiões ou carmas?
É verdade que só posso falar de como sou, e como sou alguém assim, digo que prefiro não ter a capacidade de acreditar no que quero, não sabendo eu como seria se tivesse essa capacidade. Porque quem acredita no que quer, imagino que acredite, também, que é melhor ser-se assim.
É uma circularidade excruciante que se resume ao seguinte: Se tiver de escolher entre sentir-me bem ou a verdade, prefiro a verdade. Talvez porque, começando na verdade, me sinta motivado a encontrar o bem-estar, ao passo que, começando no bem-estar, talvez não me sinta tão motivado assim pela verdade.