Mais um dia! Acordo com a boa disposição de todos os dias desde que tomei a decisão. Bem, não exactamente desde que tomei a decisão, mas desde que sai do período triste por ter tomado a decisão. Levanto-me, lavo os dentes, ponho café a fazer, ligo a aparelhagem com um CD qualquer (tudo menos rádio) e vou tomar banho.
Dez minutos depois, banho tomado, de tronco nu, calças de fato e a caneca de café na mão, passeio pela casa a pensar no que tenho de fazer hoje. Basicamente é dar uma vista de olhos sobre como estão a correr os alicerces para o Centro Comercial. Sim… Não me apetece nada, tanta gente lá, trabalhadores, pessoas… Enfim tem de ser… Visto uma camisa e um sorriso (que guardo para mim) e saio do apartamento. Chamo o elevador, que vem do décimo primeiro com duas jovens mulheres a conversar baixinho. Viro costas subtilmente e vou pelas escadas. Porque não começar o dia com exercício? Quando chego ao rés-do-chão, miro a porta ao fundo e finjo não ouvir quando o Sr. Que-Não-Quero-Saber porteiro me diz:
– Bom dia, senhor Xavier! – nem sei porque ainda tenta!
Quando saio está o meu BMW Z3 prateado à minha espera, mesmo em frente, à saída. Que regalo, não me canso de olhar para ele. Abro a porta do passageiro e pouso nele o meu blazer e a minha pasta. Entro no carro e ligo o leitor de cds, Miles Davis. Ponho-me a caminho da empreitada.
Quando chego, saio do carro, visto o casaco, e vou falar com quem tenho de falar. Ou melhor, vou ler os relatórios especiais que me fizeram, eles sabem já de coisas que não gosto de fazer. Aparentemente está tudo bem e o trabalho que adiantei na semana passada está a sortir efeito agora, posso tirar o resto do dia.
– Dr. Xavier não quer vir tomar um café connosco? – não respondo.
– Dr. Xavier! – sou obrigado a responder.
– Não, tenho muito que fazer.
– Mas tivemos a ver, e adiantou o trabalho todo, não pode perder cinco minutos com a malta para tomar café?
– Não, não posso, desculpe.
– Ande lá, só cinco minutos!
– NÃO POSSO! VOCE É SURDO OU QUÊ?? – E saio disparado, a caminhar o mais rápido que posso; o meu coração a bater a 200 por hora. Que filho da puta, quem é que ele pensa que é? Quem é que ele pensa que é? Quem é que lhe deu esse direito? Querer à força toda entrar, foda-se! E ainda por cima esta farto de saber como sou, que caralho!
Vá Xavier, calma, recompõe-te… Entro no carro, a transpirar, nervoso, acho melhor não conduzir já e esperar cinco minutos. Desde que tomei a decisão, de vez em quando tenho momentos destes, pessoas que não vêem um boi à frente, não sabem que toda a gente é diferente e que pessoas diferentes buscam maneiras diferentes para serem felizes… Que merda…