De volta a África. Lomé.
De volta ao bafo que deixa a pele a reluzir de transpirada, de volta aos saquinhos de água para beber, a comer com as mãos, a tomar banho com um baldezinho, de volta a ter de ir a sítios para ter internet, a deslocar-me com táxi-motas, de volta a dormir com o zunido de uma ventoinha quando tenho sorte ou o corpo húmido quando não tenho.
Onde estive estes últimos três meses?
Num mundo diferente. No meu mundo onde passeei cem dias a fio, entre reencontros, festas, carícias, viagens, alegrias e frustrações. Apreciei a estadia, mas era como se nunca fosse eu a cem por cento. Sim, eu estava ali, e talvez dissesse o que diria de qualquer maneira ou agisse como fosse agir. Mas sentiame incompleto. Sentia-me a meio. Vivi tanto desta viagem que ela entrou directamente em mim, misturando-se comigo. Como assim foi, deixá-la a meio como deixei durante três meses fez-me sentir, a mim próprio, a meio.
Quando lá estava, África parecia ter sido um agradável sonho vívido; hoje sinto o mesmo acerca desses três meses. Agora aqui, apercebo-me de como falava de África, contando histórias como se fossem episódios, deixando de fora tanto daquilo que é preciso ver para se sentir. Agora aqui, de novo, apercebo-me como falei muito mais da experiência surreal do Gabão, ou de ter sido detido na Serra Leoa, do que da minha travessia da Guiné-Conacri, dos meus dias aparentemente banais em Bissau, da praia de Bureh na Serra Leoa, daqueles dias a chover na Libéria, da Costa do Marfim, do primeiro hotel a um euro no Gana, sei lá… Parece que todas essas vivências assumiram um segundo plano perante as mais evidentes. É normal, eu sei, é normal… acabamos por contar as experiências mais marcantes, as pessoas assim o perguntam. O que não sei se é normal é o facto de agora que estou aqui a olhar para um mapa ali na sala, ver os países, e ter todas essas memórias muito mais presentes em mim, como se me definissem num novo nível, do que quando estava em Portugal.
Seria demasiado frustrante estar sempre a recordar-me destes pequenos prazeres estando num país que deles me afastava? Não sei.
Mas não quero que isto me aconteça nunca mais. Não quero nunca ter sentimentos ou memórias dormentes. Gosto tanto de viver que me atormenta o facto de me esquecer do que senti. Que digo? Falo como se isso também não me fascinasse.
Quando conheço um novo amigo e passamos dias em harmonia, sinto que seremos grandes amigos para sempre. Contudo, ao despedir-me, apesar de esperar reencontrá-lo um dia, sei que há uma probabilidade de tal não acontecer. Acho isso bonito. Acho bonito tanto a partilha fugaz que acaba em nunca mais, como um reencontro passados trinta e seis anos. Acho tudo bonito, só é necessário encontrar a janela que me permitirá vê-lo. Assim vejo as experiências. Quando as vivo, sinto que me vou lembrar delas para sempre, mas quando parto sei que há uma probabilidade de as perder algures no meu avanço. Se as retiver comigo elas fundem-se comigo. Se só me lembrar que existiram sem ter a precisão de detalhes ou sentimentos, como quem só se lembra do nome de um amigo, guardo isso, sabendo só algures em mim que foi bom.
Sinto, e espero que, acabando esta viagem, uma memória geral de grandes dias vividos se instale em mim. Mas que sei eu, que estou sempre a ser surpreendido por estas terras vermelhas?
16h00, s, 11 de Abril de 2015
Lomé, Togo