Há meio ano na estrada…
Há meio ano atrás chovia como se alguém não quisesse que partisse.
Havia quem não quisesse que partisse. Com o coração apertado, tinham receio que o meu deixasse de bater no próximo ano que ia durar a minha aventura. Ou que batesse demasiado rápido demasiadas vezes face aos perigos que ia enfrentar.
Mas tinha de partir naquele dia. Andava a arrastar-me há um mês à espera de exames ao joelho, de decisões, e quando ouvi o “sim” foi como se tivesse largado naquele instante. Pois aguentar mais dias e dias, aguentar até que estiasse era estar a deixar-me ir embora, ficando eu em casa. Como me apanharia com tantos dias de atraso?
Deixei o meu país e passei por mais doze, em quase nove mil quilómetros de viagem. Passei por estradas de alcatrão, de terra, de areia, de brita, de pedra, de água e de rochedos e, repetidamente perguntavam-me o que é que eu andava por ali a fazer. A esses respondia que gostava de lá estar. Em Marrocos estava a apreciar. Apenas. Apenas a apreciar, porque Marrocos não tinha sido a razão pela qual eu tinha vindo. A Mauritânia deu-me o ar da sua graça com o mundo a ferver, enquanto atravessava o Deserto do Saara.
Mas depois veio o Senegal e a VIDA floriu um pouco. A partir daí, sempre sozinho. De terra em terra, de povo em povo, completamente entregue ao que quisessem fazer de mim, de braços abertos e sorriso na cara, sempre a esperar o melhor, nem sempre preparado para o pior.
África recebeu-me de uma forma que nunca esperei. Nunca me deixando não sentir cada dia como mágico e especial, África pegou-me ao colo e disse-me que a VIDA não era fácil a cada minuto, e que por vezes tínhamos de sofrer um bocado… e disse-me, especialmente, para eu não ter medo porque, afinal, ela tomaria conta de mim. África vestir-se-ia das pessoas que eu ia encontrando nas ruas, nas aldeias, nas cidades, nas praias, e pedir-me-ia o número de telefone, chamar-meia de Jesus, convidar-me-ia para uma ou dez cervejas, pedir-me-ia em casamento, dar-me-ia abraços. África far-me-ia um pouco de tudo com a pele dos seus filhos, mas nunca me faria mal.
Eu acreditei. Porque acredito nas pessoas e que é África senão isso?
Acreditei e sei agora que, aconteça o que acontecer, venha que desígnio menos fortuito vier, eu sei que amo África. Sei agora o quão incompreendidos são estes lugares por pessoas que, um pouco como eu antes de os conhecer, acham que não ter dinheiro é o mesmo que querer tê-lo doa a quem doer.
África roubou-me.
Mas roubou-me um pouco de mim, e eu adorei. Roubou-me das ideias preconcebidas que tinha antes de dançar com ela. Sempre me convida para dançar, África. Mas estes pés tortos nem sempre acompanham e, por vezes, fazem com que fique sentado, a ver tudo acontecer, de sorriso no rosto.
Meio ano na estrada e completamente imerso neste continente.
Esta viagem não poderia ser mais pura e potente.
Obrigado.
18h26, 2ª, 4 de Agosto de 2014
Lomé, Togo