Sempre cri que não duraria muito tempo. Afasto-me de ideias pseudo-cool e falo com a honestidade daquele miúdo de oito anos, ainda no apartamento, no quarto do meu irmão, a pensar nestas coisas pela primeira vez. A pensar no tempo que viria e a assumir sempre que não chegaria lá. Tinha sonhos e desejos, a maior parte deles imputados por ideias que não eram minhas… ser piloto de Fórmula 1, bombeiro, um conjunto de conceitos que nunca trouxera dentro de mim mas que conduzia porque achava que tinha de ter um desejo qualquer. Ainda assim, lembro-me que a ideia de eu ser mais tarde era estranha… não a via como real. Não tinha ainda presente em mim o conceito de morte. Não achava que ia morrer antes, só achava que não ia chegar a adulto, pelo menos. Hoje em dia vou crendo que será possível.
Ainda assim.
Ainda assim, não sei se tomado pelo fantástico de tudo, quedo-me embasbacado, nas alturas em que os meus olhos acordados não estão adormecidos, por estar a existir ainda. Não me prendo com medos de doenças ou fatalidades, só não me consigo soltar da noção de que nada disto que vai acontecendo é natural. Vejo-me passando por todas estas passagens de estafeta, vou-me vendo perdendo, vendo o que fui ao longe, para quem aceno com um sorriso, e virando a cara com algum esforço para quem vem aí. Sei que agora sou mas não sei por quanto o serei. Não sei quanto duro – nem este corpo, que tem tudo para durar décadas, nem esta mente que me habita que, paradoxalmente, quero que dure o menos possível, pois da mudança vem um novo estado. Não acreditando que eu fique exactamente o mesmo tenho de crer que a mente que me habita perece, ainda que na sinapse passe a estafeta. Assim, vendo na mudança a bonança como que desejo uma eutanásia intelectual, uma metamorfose constante que dê lugar a um novo ser, cada vez melhor. Face a possibilidade de mudar regredindo encolho-me e questiono se não será melhor ficar sempre assim. Abro os braços e levo com as gotas da chuva na cara. Fazem com que queira fechar os olhos e estaque os pés, pois não avançando não afundo. Fecho os olhos, dói demasiado, mas tento dar um passo em frente. Sinto um pouco com a ponta dos pés, sinto terra que não é firme mas talvez me aguente. Avanço um pouco. Mudo. E lembro-me de mim, aos oito anos, no quarto do meu irmão, quando vivia no apartamento. Era outra pessoa. Gosto desse miúdo, mas era outro. [Ele] tinha a sua razão. [Ele] nunca se veria como adulto, pois ele era… aquele miúdo de oito anos. Ele tinha a sorte de não ter de ser adulto aos nove. E se ele nunca poderia ser aquele adulto que nunca se veria ser, como sei eu que posso ser aquele real adulto daqui a um par de anos? Onde acabo? Esta estafeta que me vou entregando tarda-se e tolda-me a visão. Sinto-a escorrer entres os dedos, cada centímetro escorregando dando-me a sensação de quem cai mas não sai do sítio. Se tudo o que eu tenho é o agora, quantos agoras tenho e quantos sou? De que é feita a minha unidade?
entre sábado e domingo
5h42, 11 de Março 2018
San Miguel, El Salvador