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Tranquilidade

Estou em Playa Dorada, no Lago Izabal, na Guatemala. O Milthon emprestou-me o seu carro, mais ou menos com a condição de que eu trataria de encontrar onde comprar novas rodas bem como tratar da substituição das velhas, coisa que fiz pela manhã. Larguei-me depois estrada fora, lentamente, ouvindo rádio, quase exultando quando ouvi algo ocidental… “Every Breath You Take”… Uma música que, apesar de nunca ter desgostado, me soube pela VIDA no meio de todas as músicas que, em Portugal, ouvir-se-iam principalmente em arraiais ou comícios.

Quando cheguei fui à primeira praia, mas não era bem o que procurava, apesar de não saber ao certo que procurava. Algo que não fosse aquilo. Dez metros de areia de lado a lado, dois ou três de cima abaixo, e várias famílias. Como tanto se diz aqui, que dios bendiga todas essas famílias, mas não era isso. Espreitei e reparei nuns jangos ligados à costa por um passadiço de madeira. Vazios. Era aí que eu queria estar. Alguns eram privados mas depois havia o outro a que se podia aceder consumindo. É aqui que estou, com a minha cerveja Gallo e… é como se isto fosse privado também, pois não há mais ninguém. Há uma brisa amena que corre, deixa-me estar sem t-shirt mas avisa-me que talvez não continue e eu tenha de ir à água novamente. Eu pisco-lhe o olho e digo que tenho todo o gosto nisso. Comecei a escrever – estou atrasadíssimo, ainda no Lago Atitlán, há duas semanas – e depois começou a tocar “Girl”, do Jamie XX, e eu senti-me profundamente relaxado. Deixei-a a repetir e escrevo a ondular os ombros. Se já me sentia descontraído, esta música lançou-me num estado de calmo êxtase. E isso, claro, não fosse o meu cérebro o meu, deixou-me a pensar…

Tenho um misto de sorte e habilidade em ser uma pessoa bastante relaxada. Sorte, talvez essa mesma também por um misto de genética e meio social bastante fácil; habilidade por ter percebido, há muito, que a VIDA é melhor sendo tranquilo, e por isso ter percebido ter-me dedicado a encontrar os caminhos que a tal me leva. Não quero ser o gajo que está sempre na boa pois há situações que merecem indignação e, por vezes, essa indignação é mais levada a sério se vier de um olhar severo. Parece-me. Espero estar errado. Mas até esse olhar severo tento controlar, para que ele não me controle a mim. Tento exaltar-me, nas raras ocasiões em que tal acontece, como que de propósito, planeando-o ao perceber que, em determinado momento, não tenho outra estratégia. Questiono-me, claro que sim… pois seguramente não é necessário. Há pessoas que vivem debaixo do jugo do seu próprio olhar severo e, se tenho pena de quem com o olhar leva, pena tenho também da própria pessoa, pelo sofrer escravizado de tal solução. Noutra altura escrevo acerca de por que é que não tenho problemas em falar em ter pena de alguém. Por ora posso só dizer que parece-me ser só mais uma coisa que fica bem dizer – “Ter pena de alguém é muito feio!” – porque assume-se que essa pena vem com um ar de superioridade.

Fiquei então a pensar no facto de ter relaxado ainda mais com a música do Jamie XX. Há aqui um conjunto de factores que me leva à tranquilidade. Não tenho nenhum problema na minha VIDA, estou a fazer o que curto, está bom tempo, há Vento e… música. A música, por si só, nunca me faz subir as escadas até àquele ponto de onde a paisagem é sublime. Mas, se já estou aí, sempre me dá um leve empurrão nas costas e me entrega à gravidade, caindo eu como uma pena num poço de boas emoções. Mas, se por um lado fico contente por saber os factores que me levam a determinado estado, por outro preferia não precisar deles. Preferia sentir-me sempre relaxado. Não creio que as reacções sejam o espelho do amor – se eu reagir tranquilamente à perda de alguém, não quer dizer que não amasse essa pessoa. Não creio também que, para se sentir feliz temos de saber o que é estar mal. Já escrevi sobre isso, creio, mas arrisco-me a dar o exemplo de que eu não preciso de saber a que sabe terra para me deliciar com uma laranja de cada vez que como uma. Pode parecer que os meus desejos apontem a uma certa supra-humanidade, percebo isso. Mas não tem de ser. Como em tantas outras vezes, há duas maneiras de defender duas posições ambivalentes soando cada uma sábia.

“Há uma certa graça em perceber as nossas limitações e abraçá-las sem vergonha.”

“Talvez almejando o impossível nos quedemos um passo mais próximo dele.”

Eu gosto das duas mas, neste caso, vou-me com a segunda.

Playa Dorada, Lago Izabal, Guatemala

13h11, 5ª, 5 Abril 2018

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