“Uma princesa não fuma.” Pode fumar, se quiser. A única coisa que vejo de errado com a campanha que tenta fazer algo acerca do aumento de mulheres a fumar é que dá a ideia de que o senhor Adelino da tabacaria ia rejeitar vender um maço a uma princesa ou que o Manel da GNR ia pedir o documento de civil a uma mulher com uma coroa. Mas até este erro pode ser imputado a uma falta de informação qualquer daquela senhora que está a morrer de cancro. É possível isso, na ficção. Há personagens com falências, com ignorância ou até outras com conhecimento sobre-humano. Pois é isto que o anúncio é – ficção. É um filme, uma curta-metragem, só isso. Mas a nova-esquerda viu ali mais matéria para fincar os dentes. A nova-esquerda, como tantas vezes, viu uma razão para fazer o resto do pessoal não nos levar tão a sério para a próxima, nós, os que tendem para a esquerda mas se esforçam por manter alguma razoabilidade.
“(…) a CIG considera que para transmitir a mensagem tenham sido utilizados “estereótipos discriminatórios, os quais são igualmente prejudicais à vida das mulheres e dos homens na nossa sociedade.” Lendo isto e sem ter visto o filme, como foi o meu caso até ontem, questionei-me se não seria acerca da ideia de que mulheres que se vestem de determinada maneira merecem determinada consequência; ou acerca de uma incapacidade qualquer para determinada tarefa que vem com o XX no ADN; ou qualquer outra das situações que tem merecido verdadeira luta por parte de todos, ainda que infelizmente a batalha tenha vindo a ser travada mais por quem é visado com tal discriminação, ao longo dos tempos. Mas não. “O problema é a redução da campanha a uma série de estereótipos que têm prejudicado a mulher, reduzindo-a ao papel de mãe e ao papel de princesa.” E assim damos a volta toda, ao que parece, de acordo com as pessoas na origem de tal reclamação. Pois se até nos tempos mais negros em que a mulher era vista ainda mais como um mero acessório, a qualidade de mãe era exultada, ao que parece hoje em dia tal arquétipo é visto como algo redutor. Quanto ao papel de princesa, não me ouvirão dizendo que é normal e é o que tem sido dito às meninas ao longo dos tempos, como li em alguns artigos de opinião – ouvir-me-ão apenas a apontar para o que me parece ser uma preocupação excessiva que falha o objectivo de tal filme totalmente e também para o simples facto de ser assim que aquele personagem trata a filha. Tenho poucas dúvidas de que se aquele filme fosse apenas um filme e não tivesse boas intenções ninguém o criticava.
O que é real, ao que parece, é que há mais mulheres a fumar. Curiosamente, poder-se-ia argumentar que isso se deve a uma maior independência da mulher nos dias de hoje, que lhe permite a originalidade de imitar nocivos comportamentos. Naturalmente, ainda que com uma má consequência destas, aprecio a liberdade intelectual e sentimental de tal decidir e espero que, com o tempo, pessoas de todos os géneros tomem melhores decisões.
O que é real também é que os rebentos imitam os seus progenitores. E que o filme, que pode ser acusado de lamechas ou sensacionalista, pegou nisto. Mas parece que passou ao lado de quase toda a gente.
São João da Madeira
20h54, 3ª, 5 de Junho de 2018
4 thoughts on “Uma Princesa Não Fuma”
Excelente ponto de vista que partilho! Acho que o Core da mensagem foi completamente engolido pelo aproveitamento de facilmente apontar o dedo.
Obrigado.
Do meu ponto de vista, a campanha não me parece sexista por ter definido como público alvo as jovens. O que está em causa é que o segmento que se pretende atingir não é o universo das meninas que aspiram à imagem de princesa. A campanha peca pela falta de empatia. O universo das miúdas que começa a fumar está-se perfeitamente nas tintas para as princesinhas, as tiaras e os demais estereótipos , e é nesse que temos que penetrar.
Olá Marisa! Na idade da miúda no filme é certo que nem todas as miudas aspiram a essa imagem e, pessoalmente, para mim quanto menos, melhor. Só não acho um grande problema, como expliquei, em terem usado o exemplo das que assim o querem. Por outro lado, eu acho que o público-alvo não são as meninas mas as jovens mães. Do género “Pá, não fumes que depois a tua filha vai fumar.”